terça-feira, 13 de julho de 2010

Nise de silveira



Breve Histórico do uso da Arte em Psicoterapia
Nise da Silveira.
Psiquiatra, desenvolveu um trabalho de terapia expressiva, pesquisando formas de compreensão do universo mental dos pacientes internados. Encontrou respostas para suas indagações na teoria junguiana, como via de entendimento e técnica de atuação. Instituiu oficinas de trabalho na Seção de Terapia Ocupacional criada por ela em 1946, no Centro Psiquiátrico D. Pedro lI, em Engenho de Dentro, Rio de Janeiro. Em 1952 criou o Museu de Imagens do Inconsciente, único acervo existente atualmente no Brasil e um dos mais importantes do mundo, onde são conservados e organizados trabalhos de expressão dos internados na instituição acima referida.


A autora propunha a seus pacientes a execução de trabalhos de desenho, de pintura, em argila; sugeria-lhes que tocassem música, dançassem e fizessem representações dramáticas, possibilitando-lhes usar uma linguagem arcaica de imagens simbólicas e dar forma plástico-expressiva aos intensos desejos e emoções que brotavam de seus psiquismos. Os internos manifestavam pulsões primitivas de forma bruta, mescladas a uma necessidade de controlar, de domesticar os instintos e uso do desejo em uma luta entre forças primárias e necessidades repressoras, as quais poderiam levar até a tentativa de supressão da vida instintiva. Mostra os problemas da contraposição do psiquismo destes indivíduos com a moral social introjetada, fazendo um paralelo com as obras desses pacientes-artistas, a teoria junguiana e a mitologia.

Nise da Silveira escreveu um livro chamado Imagens do inconsciente (1981), descrevendo o seu trabalho em Engenho de Dentro. Foi também realizado um filme-documentário sobre a sua obra, retratando de forma clara o método de atendimento e a teoria empregados, a pesquisa, o respeito e o cuidado em relação ao ser humano no seu trabalho, inserindo o "doente" e a "doença" em um contexto cultural, social e econômico. O filme tem o mesmo nome de Imagens do inconsciente.

O trabalho de Nise da Silveira denuncia o tratamento injusto e discriminado que é exercido sobre determinadas pessoas. as quais são impedidas de ter uma vida comum, por razões de ordem social e econômica, agregadas a características de personalidade. Adoecem, isto é, tornam-se pessoas que desenvolvem outras formas de compreensão e expressão de seus significados interiores enquanto seres individuais e sociais. Inserem-se no processo do cotidiano da vida de maneira considerada inadequada ou incompreensível para a maioria dos outros seres humanos. Muitas vezes a convivência mútua insuportável leva à internação psiquiátrica e conseqüente estigmatização, resultando tudo isso em intensa marginalização, desprezo e abandono.

Em oposição a todo esse sofrimento, a autora aponta como a vida pode ser um meio de cura, de desenvolvimento e crescimento da personalidade como um todo, quando o individuo encontra um lugar na sociedade e lhe é possibilitada a liberdade e meios de expressão enquanto ser humano.

O atelier de pintura do centro Psiquiátrico D. Pedro II foi se transformando em um lugar onde pintura. desenho e escultura puderam adquirir interesse artístico e científico, Os pacientes aí obtiveram consentimento social para expressar e comunicar ao mundo externo sua maneira de colocar-se frente à realidade. Externo duas vezes. Externo em contrapartida ao seu próprio aprisionamento interno (psicológico), a impossibilidade, na maioria das vezes de poder ter um discurso lógico articulado, racional e compreensivo. E externo aos muros da instituição psiquiátrica, que provavelmente representa e atua o medo dos "não-loucos". Os temores advindos da incompreensão do significado da comunicação desses seres cria um muro intransponível: o muro do manicômio. Os "não-loucos" marginalizam os "loucos".

Existem, evidentemente. diferenças marcantes entre o psicótico e o não-psicótico. Porém, a incompreensão em relação ao primeiro não justifica, segundo a autora, impedir sua liberdade de exercer direitos mínimos de vida e, como todos os outros homens, poder tentar desenvolver suas capacidades pessoais.

Para Nise. o exercício de múltiplas atividades ocupacionais revela, por inúmeros indícios, que o mundo interno do psicótico encerra insuspeitadas riquezas e as conserva mesmo depois de longos anos de doença, contrariando conceitos estabelecidos". (1981. p, 11)

Embora o valor estético não seja importante na aplicação de materiais expressivos no tratamento e compreensão do doente mental, muitas vezes as imagens produzidas são harmoniosas, dramáticas ou mesmo belas, constituindo verdadeiras obras de arte. Entretanto, o objetivo principal de Nise é ressaltar a grande importância do recurso de fazer arte no processo de integração da personalidade.

A experiência de Engenho de Dentro evidencia a possibilidade de uma terapêutica ocupacional, bem-orientada, entendida nos moldes de terapia expressiva, ser um fator de grande ajuda no desenvolvimento dos processos de consciência dos pacientes. Nise produziu um importante campo de pesquisa e tratamento psicológico de psicóticos.

Como Jung, ela passou a usar tanto o diálogo, a dramatização, a escrita, a dança, a pintura, a modelagem, partindo de uma imagem espontânea, fruto de fantasias ou sonhos. Utilizando-se do recurso de imagem e ação começa a visualizar o desdobramento de um processo inconsciente, o processo de individuação, eixo da psicologia analítica.

Apoiada na psicologia junguiana, na criatividade como função psíquica natural e estimulante, no inconsciente individual e coletivo, nos arquétipos e outros conceitos, Nise relê os mitos da cultura humana na luta por estabelecer-se no planeta, exemplificados na saga de vida de cada paciente.

CARVALHO, M. Margarida M. J. e ANDRADE, Liomar Quinto. Breve Histórico do uso da Arte em Psicoterapia. In: CARVALHO, M. Margarida M. M. (org). A Arte Cura? Campinas:PsyII, 1995.

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